Uma experiência onde o “ser criança” pode ser o sofrer, sem entender.

A mãe de uma criança com 5anos, que aqui chamarei de Marcos, procura ajuda porque acha que seu filho está com problemas sérios, pois não deseja ir para escola e sempre que é solicitado aprontar-se inicia alguns sintomas: vômitos, diarréia, irritação e choros incontroláveis.

Marcos estudou 2 meses em uma escola particular, sempre com muita resistência e muito choro. Certa vez pediu para ir ao banheiro e a professora não ouviu. Marcos molhou a roupa e ficou assim até a mãe ir buscá-lo.Nunca mais voltou para a escola.

Foi um filho desejado e não houve nenhum problema durante a gravidez. É muito agarrado com a mãe, dorme com ela e não deixa o pai chegar perto dela. A mãe, em seu discurso, não valoriza sua relação conjugal, colocando o marido em segundo plano.

Embora a mãe relate que todo o desenvolvimento de Marcos é normal, é notório o transtorno na fala de Marcos, que fala como um bebê de 2 anos. No nosso primeiro encontro Marcos fica todo tempo segurando na mãe. Não aceita ficar sozinho na sala. Diz que a mãe não pode ficar sem ele e ele sem a mãe. Que tem raiva do pai porque ele é um chato e que ele podia morrer. Agarrado na mãe com uma das mãos, Marcos pega uma folha, um lápis e faz um desenho que lembra um carro amarrado em uma árvore. Descreve o desenho: Esse é um carro que está preso em uma grande pedra.

Aqui aparece um sentimento contraditório, um conflito de amor e ódio. Agarra-se com a mãe e fala de ódio pelo pai, mas o mesmo pai que admira e ama. Marcos ainda mantém a ilusão de o amor total de sua mãe e o pai surge como um intruso nessa relação. Ele começa a perceber que o pai pertence à mãe e por isso dirige sentimentos hostis em relação a este.

Após conversarmos sobre o desenho, deixando pista de que o carro está preso na árvore assim como ele na mãe, comparando o desenho com a situação que estávamos vivenciando na sessão, ele olhou e nada falou. Logo depois, Marcos sorri e diz que da próxima vez quer trazer brinquedos dele para brincarmos todos juntos.

Ao sair da primeira sessão com sua mãe, Marcos levou um carrinho de brinquedo da sala para casa (depois de autorizado e interpretado esse desejo). Na sessão seguinte ele traz de volta o carrinho e traz também vários carrinhos de sua casa. Entra sem sua mãe. Durante as sessões consecutivas Marcos falava de sua mãe com muito amor e de um ódio enorme por seu pai. Dizia que ele era um bobo e não gostava dele, ao mesmo tempo falava de grandes coisas que seu pai sabia fazer. Chorava quando falava do “pai mau”. Fez um desenho onde relatou:“a mãe deixou seus filhos morrerem porque queria ficar com o pai e então o pai também teve que morrer e os filhos também morreram”.

Algumas sessões depois, entrou chorando, sentou-se em meu colo encolheu-se em posição fetal e disse: “é difícil crescer”. Demonstrou que ele sabia qual era sua dificuldade. Nesse momento canalizou seu afeto, sua angústia para mim, “transformando-me” no útero materno, dirigindo-me uma reação afetiva que denunciava o reconhecimento da criança de minha presença enquanto terapeuta e do efeito de sua terapia.

Entre vários desenhos que ele realizou durante os atendimentos, um em especial, demonstrou que ele começava a deslocar sua energia para o conhecimento do mundo, fora de sua relação mãe/filho/pai. Desenhou vários meninos e diz: “Esses são meus amigos imaginários, só quando eu começar a escola terei meus amigos de verdade.”

O trabalho foi sendo desenrolado e durante algumas sessões Marcos me dirigia seus afetos, até que foi possível começar a falar mais sobre seu pai e sua mãe como casal e de sua irmã que demorou muito a aparecer nas sessões.

Marcos era uma criança que precisava ser acolhido em sua dor naquele momento, e assim foi feito. Marcos ficou algumas semanas em atendimento até que pôde iniciar-se na escola e sentir-se confortável com seus amigos e sua família.