ALGUMAS TEORIAS QUE APOIAM A PRÁTICA NO ATENDIMENTO PSICOLÓGICO COM CRIANÇAS.

Freud

Freud em seus estudos sobre a histeria abandonou a hipnose em favor da associação livre e da interpretação dos sonhos, com grande interesse pelos conteúdos do inconsciente. Preocupado com seus pacientes psiconeuróticos realizou diversos estudos, e em suas pesquisas, concluiu que os sintomas histéricos eram causados por experiências inconscientes de acontecimentos acompanhados de intensas emoções que não puderam ser expressas no momento que ocorreram. Estes acontecimentos eram referentes a vida sexual na infância. Ele sugeriu então, que os sintomas eram uma conseqüência psíquica do sofrimento de uma criança por uma sedução sexual feita por uma pessoa mais velha. Porém, durante os atendimentos a seus pacientes ele começou a perceber que havia algo errado nos relatos deles. Percebeu que na realidade estas histórias eram fantasias e não recordações da realidade, apesar dos pacientes acreditarem em suas histórias. Sendo assim, Freud (1905) descobre que os interesses e atividades sexuais constituem parte normal da vida psíquica humana desde a primeira infância e através da vida toda.

A descoberta de que a sexualidade infantil é um fenômeno normal também levou a novos conceitos. Diminuiu a brecha entre o normal e o patológico, mostrando que não há um grande hiato entre eles. As diferenças psicológicas soa mais de grau do que de espécie.

Durante seus estudos, Freud (1905) apresentou seu trabalho “Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade”, e já nesta fase de sua obra, ele indica o pluralismo de elementos da sexualidade e sua origem no infantil. Demonstra que o desenvolvimento da criança apresenta vários momentos de erotização das diferentes áreas do corpo,demonstrando que o corpo infantil é um corpo pulsional, corpo de desejo. Em 1909 Freud publicou um trabalho sobre o caso de um menino com fobia, o “Pequeno Hans”. Ao analisar a fobia desse menino de cinco anos, Freud propicia o surgimento teórico para a uma técnica psicanalítica com crianças. Ele percebe que também nas crianças é possível acontecer interpretações de suas falas, jogos, sonhos e fantasias.

Embora não tenha sido Freud que analisou diretamente o menino, pois o menino foi analisado pelo próprio pai,com a supervisão de Freud, ele percebeu que é possível a análise de crianças, percebia que existia: a demanda, a transferência e a interpretação. O maior interesse de Freud não era atender crianças, mas sim comprovar sua teoria sobre sexualidade infantil.

Este trabalho foi importante para a comprovação das teorias de Freud sobre a relação entre a sexualidade infantil e a origem das neuroses. Articulando as teorias sexuais infantis ao complexo de Édipo, Freud percebeu que a realidade psíquica de uma criança se assemelha à de um adulto em suas angústias, fantasias e desejos.

Donald Woods Winnicott

Winnicott nasceu em Plymouth, Inglaterra, em 1896. Era médico pediatra e ao entrar em contato com as teorias de Freud ficou muito interessado pela psicanálise. Fez análise e buscou formação para se tornar analista. Em 1927, Winnicott foi aceito na Sociedade de Psicanálise. Em 1934, concluiu sua formação em analista de adultos e em 1935, como analista de crianças. Winnicott seguiu os postulados de Freud e de Melanie Klein, ainda que mais tarde tenha tido diferenças em seus posicionamentos teóricos. Para Winnicott o ponto crucial da psicanálise se constitui na vulnerabilidade do bebê quando ele ainda é muito pequeno, sua total dependência , dentro da relação dual com a mãe. Enquanto Melanie Klein preocupou-se em enfatizar os “fenômenos de estruturação interna da subjetividade, Winnicott irá ressaltar a dependência do sujeito em relação ao ambiente.” (Costa,2010,p.48). Ele destaca a importância da influência do meio ambiente para o desenvolvimento saudável do psiquismo da criança. Para ele o ambiente era um elemento fundamental, pois somos produto de uma integração constante e permanente com o meio, do encontro do processo de maturação com um ambiente facilitador. Considerava as falhas ambientais fatores importantes nos quadros psicopatológicos.

Ao nascer, o bebê possui um conjunto de instintos desorganizados que vão se desenvolvendo e se integrando aos poucos e a mãe terá um papel fundamental para um desenvolvimento saudável do bebê. Ela dará uma espécie de ego auxiliar a ele que lhe permitirá integrar suas sensações físicas, motoras e os estímulos do ambiente. Segundo ele, a mãe vive uma espécie de estado psicológico em que adquire uma capacidade particular para identificar as necessidades do bebê. As interpretações dessas necessidades, buscando dar tranqüilidade e conforto para ele, transformam a mãe num ambiente facilitador para o seu bebê. A mãe dá apoio, ela é um ponto de referência. Ela nomeia o bebê, nina, alimenta, dá banho, ela integra a criança, inclui. E ele, assim, percebe-se integrado, numa unidade com o mesmo ambiente. A esta mãe, Winnicott chamou de “mãe suficientemente boa”.

Ao tentar suprir imediatamente as necessidades do bebê, a mãe coloca a disposição o seio materno e ao amamentar o bebê, ela dá a ele a ilusão de que o seio dela é uma parte do corpo dele, que está a sua disposição para quando ele necessitar. Essa sensação, permite a ilusão de um controle mágico do bebê sobre um objeto externo, como se ele e o meio fossem um só. É nesta relação mãe/bebê que se dá o início da vida psíquica. É através desses cuidados, que a criança aprende a conhecer o ambiente. Mais uma vez caberá a mãe um importante papel, o de desiludir, de forma progressiva, o seu bebê. Será esta desilusão que levará ele ao princípio da realidade. A mãe aos poucos vai fornecer ao bebê um fracasso gradual de sua fantasia onipotente de controle total e vai dando pistas para uma adaptação à realidade. Desta forma, a função mental do bebê se desenvolve satisfatoriamente. E dá início, então, uma fase de dependência relativa. A criança começa a perceber a sua sujeição e, tolera melhor as faltas imediatas em suas necessidades, assim tornando-se capaz de tirar proveito delas para desenvolver-se formando-se seu verdadeiro self. Para Winnicott não é apenas a mãe que tem importância, o pai também tem função primordial para o desenvolvimento de seu filho. É ele que dará suporte para esta mãe, para um ambiente tranqüilo, para sustentá-la em sua autoridade com a criança para ser “a encarnação da lei e ordem que a mãe introduz na vida da criança”

A “mãe suficientemente boa” não precisa ser a mãe biológica e sim aquela que possui a capacidade, como mãe, em se identificar com o filho, que lhe possibilita satisfazer a função descrita por Winnicott como holding, isto é, fornecer apoio na fase da dependência absoluta até a autonomia da criança, quando os espaços psíquicos entre o bebê e a mãe já estarão perfeitamente distintos.

Quando há falha no holding, isto é, quando a mãe não é capaz de interpretar as necessidades da criança, poderá despertar intensos desconfortos no bebê, similares a sensações de despedaçamentos, e assim ocorrer uma alteração no desenvolvimento, dando possibilidade do surgimento de um falso self, que esconderá o verdadeiro self, que permanecerá oculto e sem poder se desenvolver.

Winnicott dizia que a criança aos poucos vai demarcando seus próprios limites mentais em relação ao mundo externo e interno. É um estado intermediário que surge entre a dependência completa da mãe e a dependência relativa, quando já começa a compreender aspectos da realidade que compartilha. Para aliviar a tensão desta adaptação, o psiquismo da criança inicia um movimento de atividade transicional que pode ou não ser materializada por um “ objeto ” que Winnicott adjetivou de “Objeto Transicional”. O “Objeto Transicional” existe em um mundo compartilhado, no mundo objetivo, mas é também subjetivo, pois para a criança este objeto faz parte de uma fantasia. Ele é o sinal do início de uma mudança da relação do bebê com a mãe, do estado inseparável, para um estado mais separado, o processo está se iniciando. Esse objeto pode ser aquele paninho, ou brinquedinho, que a criança em determinada fase de seu crescimento se agarra e lamenta quando sente sua falta, arrasta ele para todo lado e não pode ser trocado por outro, ainda que, por vezes, é acariciado e em outras vezes é alvo de raiva, mordidas, chutes. Ele sobrevive a estes ataques e pode ser retomado e reconfortado, concertado, de novo amado. A criança ainda não o vê como algo do mundo exterior, ainda está vivendo estados de integração e não integração, do mundo interno e externo. Para Winnicott o “Objeto Transicional” representa a mãe e só é possível ser escolhido quando o objeto mãe, internamente, não foi insuficiente. Para Winnicott há uma evolução direta entre os fenômenos transicionais para o brincar, do brincar para o brincar compartilhado e deste para as experiências culturais. Ele afirmava que o ser humano através da brincadeira utiliza seu potencial criativo e assim utiliza sua personalidade integral,descobrindo o seu (eu) self. É na brincadeira que se dá a entrada para o inconsciente, assim como os sonhos são, para o Freud.

Na prática clínica essas contribuições são importantes, Winnicott buscava estabelecer com a criança um encontro “espontâneo”, utilizando principalmente o desenho, o brincar, onde estimulava as crianças a falarem do que normalmente não falariam com outras pessoas. Acreditava que ao atender pacientes que estavam em análise e em que, quando pequenos, se depararam com um ambiente que fracassara na adaptação às suas necessidades, o lugar do analista deveria ser similar à situação em que a mãe exerce a função de holding, ou seja, de “continente para as necessidades de seu paciente”.

Anna Freud

Anna Freud era a mais nova filha de Sigmund Freud, formou-s como professora e apesar de não ter podido estudar medicina, porque naquela época apenas os homens ingressavam nessas universidades, Anna começou sua formação analítica. Seu pai foi seu primeiro analista,já que análise pessoal era uma obrigatoriedade para quem desejava tornar-se analista. Foi no campo da psicanálise com crianças que Anna Freud tornou-se conhecida em seu trabalho e foi por conta de sua formação de professora, que a visão pedagógica teve grande influência na suas teorias e prática clínica.

Ela observava as brincadeiras das crianças do antigo jardim de infância, observava os tipos de brinquedos que as crianças mais utilizavam nas diferentes etapas do desenvolvimento. Ela aplicava conceitos psicanalíticos a essas observações, e levava para os professores importantes orientações às professoras. Ela dedicou-se ao atendimento de crianças, inicialmente na idade de latência, depois do complexo de Édipo, mais tarde modificou atendendo crianças menores. Anna acreditava que para analisar crianças seria necessário ser levado em consideração que o atendimento infantil tem elementos fundamentais que diferenciam análise de crianças e de adultos. Para começar, a criança chega para uma análise porque seus pais a leva. Eles consideram que algum problema está acontecendo, que seu comportamento não está normal, seja na escola ou na família. Sendo assim há uma impossibilidade de se estabelecer uma relação puramente analítica com uma criança em função de sua imaturidade, dependência do meio ambiente e da criança não ter consciência de sua doença, nem achar que tem um problema para resolver. Nesse caso falta o elemento fundamental para entrada de um paciente em análise, que é o mal estar em relação a seu sintoma e a necessidade de tratamento.

Para suprir essa necessidade Anna Freud propõe entrevistas preliminares para conscientizar a criança de seu sofrimento e da necessidade de ser ajudada. Anna Freud associava medidas pedagógicas aos meios analíticos, numa tentativa de conquistar a confiança da criança, explicava a ela em que consistia a análise e tentava convencê-la a partir de um lugar de saber, de autoridade, de compreensão. Colocava-se como aliada da criança facilitando assim, o engajamento da criança no processo analítico. Ela recomendava que o analista de crianças deveria desempenhar um papel ativamente pedagógico. Outra questão considerada importante para a diferenciação do atendimento com a criança e o adulto, segundo Anna Freud, é o fato da criança não conseguir associar livremente como o adulto, além do fato de não ser possível estabelecer uma neurose de transferência, em função de sua forte ligação com os pais da realidade e acreditava que se os pais não colaborassem com o analista o melhor era afastá-la temporariamente e colocá-la temporariamente em uma instituição para que possa ser analisada.

Anna também fazia observações a respeito do recalque, dizia que se o tratamento com adultos visa a suspensão do recalque, ela acreditava que análise com crianças não se pode se dar da mesma maneira, pois se as tendências pulsionais forem liberadas do recalque, a criança irá buscar sua satisfação imediata. Defendia que o analista precisava controlar e decidir o que deve ou não ser rejeitado, domado ou satisfeito, exercendo assim uma ação educativa. O analista teria duas tarefas, o dever de analisar e educar. Segundo Costa (2010, p.25) na prática clínica de Anna Freud o analista ao educar e seduzir a criança para ganhar sua confiança, “demonstra que o analista efetivamente ocupa o lugar do saber e não, como propôs Lacan, o lugar do sujeito suposto saber”

Na prática de Anna Freud, os pais eram sempre convocados a dar depoimento sobre o comportamento dos filhos atualizando o analista da evolução. Ela compreendia que esses relatos, por vezes, eram distorcidos pelos conflitos inconsciente dos pais; todavia ela considerava que os sintomas das crianças são determinadas por esses conflitos e as informações dos pais eram, então, duplamente valiosos. Para ela essas informações eram mais valiosas do que os conteúdos das sessões.

Os estudos de Anna Freud influenciaram o aparecimento da Psicologia do Ego. Aceitando as premissas básicas da psicanálise, ampliando alguns aspectos da teoria e técnica psicanalítica. O terapeuta dirige-se ao eu do paciente e desta forma busca fortalecer o ego.

Melanie Klein.

Era austríaca, nasceu em Viena. Ligada a Escola Inglesa, ela estabeleceu os fundamentos da psicanálise com crianças e delineou o complexo de Édipo e o supereu até as raízes mais primitivas do desenvolvimento, anterior ao complexo de Édipo de Freud. Ferenczi foi grande incentivador de Melanie Klein, pois percebia seu talento em compreender as crianças. Foi aceita como membro na Sociedade Húngara de Psicanálise após apresentar um trabalho baseado na análise de seu filho Erich (1919), de 5 anos,mas que chamou de Fritz em sua apresentação.

Em 1924 fez apresentação de um trabalho onde questionava o complexo de Édipo de Freud e Ernest Jones se interessou por este assunto e um ano depois a convidou para dar conferências em Londres. Ela e Anna Freud discordavam de alguns pontos em relação ao atendimento de crianças e essas divergências fizeram com assumissem posições diferenciadas e separadas. Melanie Klein foi admitida como membro pleno da Sociedade Britânica de psicanálise. E com o rompimento dela com Anna Freud, formou-se dentro da sociedade um grupo de discípulos Kleiniano. Ela publicou uma obra intitulada A Psicanálise com criança. Importante obra que torna pública suas divergências com Anna Freud. Nela, ela escreve a estrutura de seus futuros trabalhos teóricos, como o conceito de posição, que para ela distingui das fases ou etapas de desenvolvimento que dá margem a visão desenvolvimentista. São as posições esquizo/paranóide e posição depressiva. As posições atuam ao largo da vida de um sujeito e, o essencial nesse conceito é a forma particular como se articulam quatro elementos: o tipo de angústia, o tipo de ralações objetais, a estrutura de ego e as defesas específicas em relação aos três primeiros aqui citados. O importante é a articulação desses elementos e não a existência única de cada um deles separadamente.

A posição esquizo-paranóide está no bebê por volta de zero a seis meses, onde ele está imerso na pulsão de morte. A palavra “esquizo” diz respeito à condição de cisão do ego e dos objetos que nessa posição se encontram separados. Nessa posição o bebê não consegue discernir o que é ou mau. E “ paranóide” se refere a angústia da perseguição que predomina no bebê. Primeira fonte externa de angústia, que é o momento de nascimento, momento de desamparo absoluto. A criança está imersa no real e sente este momento como hostil. Com a amamentação se inicia a primeira relação objetal (o seio da mãe). A criança faz uma cisão: se a mãe o satisfaz, o seio é bom, mas se não sente satisfação o seio é mau. O bebê projeta no seio a pulsão de morte, pois quando o sujeito nasce, segundo Klein, ele está imerso na pulsão de morte, e a agressividade é a expressão dessa pulsão. É importante nessa questão, que de acordo com a fantasia infantil, o seio mau vai vingar-se da criança devido ao ódio e destrutividade que sente por ele. A esse receio de vingança do seio mau, Klein deu o nome de ansiedade persecutória, que na vida de qualquer sujeito se manifesta quando se acha em perigo.

Mais ao menos de seis a dezoito meses, a criança passa para a posição depressiva, o que não significa que a anterior foi vencida, por vezes pode haver regressões. Para Klein, o psiquismo possui um funcionamento dinâmico entre essas duas posições que tem início com o nascimento e termina com a morte. E todos os problemas emocionais são sempre analisados a partir dessas duas posições. O Édipo acontece na passagem de uma posição para outra e a gênese da neurose e da sexualidade foram transformadas numa elucidação da relação existente com a mãe, numa evidenciação de ódio primitivo. Ela apresenta esse argumento em seu artigo sobre “Os estádios precoces do conflito edipiano”, no qual afirma que o conflito edipiano tem origem muito mais cedo do que Freud acreditava.

Conforme a criança vai estruturando o ego, ela vai separando-se do objeto e aumenta sua capacidade de comunicar-se. Ela começa reconhecer a mãe. Esta não é mais apenas partes anatômicas que a satisfaz. A criança tem sentimento de ambivalência, ela ama e odeia a mãe. Antes a criança temia a destruição por parte de seus perseguidores, agora teme que a própria agressão destrua o objeto amado/odiado. Sua angústia deixa de ser paranóide para ser depressiva. Ela fica exposta a experiência de que sua agressão destruiu sua mãe, o que dá o sentimento de culpa e luto, mas também a possibilidade de reparação. Nessa época há um fortalecimento do eu pelo crescimento e pela assimilação de objetos bons, “os quais são projetados no eu e também no supereu.” ( Costa, 2010). Isto também marca sua diferença em relação a teoria freudiana, pois para Freud o que separa o bebê da mãe é a percepção da castração da mãe e para Klein é o desmame.

Entre Klein e Anna estava em jogo qual a psicanálise mais adequada para o atendimento de crianças. Enquanto Anna defendia o enfoque das questões pedagógicas Melanie Klein defendia uma investigação profunda do mecanismo mental infantil desde do nascimento da criança. Sua experiência com crianças e o seu interesse pelos mecanismos psíquicos que ocorrem nos primeiros meses de vida a conduziu a importantes contribuições para um melhor entendimento dos processos presentes nas psicoses, nas esquizofrenias e nos estados-limites. Ela ampliou o campo da clínica psicanalítica para áreas que Freud considerava distantes ao tratamento, como aos psicóticos, autistas e boderlines. Na prática clínica Klein fundou a técnica da análise pela atividade lúdica com crianças. Para ela, o brincar era a expressão simbólica da fantasia inconsciente. Pelas brincadeiras a criança traduz de modo simbólico suas fantasias, seus desejos e suas experiências vividas. Para Klein o importante é a prevalência da “fantasia e dos “objetos internos” sobre as experiências desenvolvidas no contato com a realidade externa.” (Costa 2010, p.30). Seu principal instrumento era a interpretação da ação da criança, e isto era feito diretamente para a ela, mesmo na primeira entrevista.

Melanie Klein concluiu que a prática psicanalítica com crianças se apóia sobre as mesmas bases teóricas que a do adulto: o inconsciente, a transferência e a pulsão. O que vai diferenciar é o método e não os seus princípios básicos (Costa 2010). Para ela a função da análise era abrandar a severidade do supereu primitivo e não auxiliar o eu da criança como acreditava Anna Freud. Para ela o supereu infantil não é, uma simples cópia dos pais reais, portanto é o sujeito principal de sua própria análise e não seus pais.

Françoise Dolto

Para Françoise Dolto, pioneira da psicanálise com crianças na França, a criança quando nasce tem vida e desejo próprio, desde a mais tenra idade ela reconhece a criança como sujeito desejante, como sujeito de si mesmo, mas vai ser na relação com o outro que a criança vai se “humanizar”. O bebê desde que nasce está inserido na estrutura desejante da família, no desejo do Outro. Sendo assim o seu sintoma é também o sintoma da estrutura familiar. Dolto dava ênfase as relações familiares, pois os sintomas da criança é sintoma da estrutura familiar. Para ela as crianças muito pequenas devem ser atendidas com os pais, pois elas ainda não atingiram o Édipo, nem atravessaram os componentes pulsionais orais e anais que antecedem o Édipo. Tendo em vista que o Édipo acontece por volta dos cinco anos. “O trabalho consiste, nesse caso, em compreender como está a relação mãe-filho e pai-filho, e o que ocorre com a desenvoltura motora, a linguagem verbal, a identidade sexuada da criança, sua autonomia e seu desejo.” ( Costa,2010, p.72). Françoise Dolto considerava fundamental as entrevistas com os pais, pois através dela é possível buscar compreender o discurso familiar e o lugar que esta criança ocupa na família, assim como analisar como se deu o Édipo deles. Ela primeiro ouvia a mãe e o pai separadamente e só depois atendia os três juntos.

Os jogos infantis não tinham grande importância para a técnica em atender crianças de Françoise Dolto. Ela utilizava modelagem, desenhos e principalmente buscava a fala da criança, no atendimento psicanalítico e ao invés de interpretar os desenhos, procurava investigar o conteúdo do desenho através do que a criança podia falar sobre eles, buscando assim, desvendar através de suas expressões ou lapsos, seus desejos inconscientes. Para ela a receptividade e a capacidade de escuta do analista vai fazer a diferença no trabalho analítico. Toda interpretação deverá ser uma pergunta, pois o analista deve ficar no papel do suposto saber, jamais deve afirmar algo. É preciso que o analista tenha uma escuta capaz de traduzir a linguagem infantil e sendo assim fazer a comunicação para criança da verdade de seus desejos inconscientes. É preciso estar atento a história da criança, ao censurado, ao que não é dito. “Françoise Dolto evocou a ligação simbólica entre a criança, a mãe, o pai e as palavras articuladas com uma história sempre singular”

Jacques Lacan

Lacan propõe um retorno a Freud, pois acreditava que os psicanalistas pós freudianos haviam se desviado da essência da psicanálise. Ele buscou nos textos de Freud resgatar o sujeito do inconsciente, que seria autônomo em relação ao “eu” e estruturado como a linguagem. E, então, a ação da psicanálise situa-se na fala, onde o inconsciente se manifesta, e isso é possível reconhecê-lo através dos relatos de sonhos, dos atos falhos, dos chistes e também dos esquecimentos. Para Lacan antes da criança vir ao mundo já existe alguém que fala dela, por ela. Ela já estará mergulhada na linguagem antes de nascer, no discurso que a precede, ela é falada por outro. Mais tarde, ao nascer, o bebê antes mesmo de poder falar, faz apelos para alguém através de seu choro ou gritos e isto vai promover uma resposta do outro, que estará incluindo-o, então, em seu campo da fala. O sujeito do inconsciente não nasce pronto é preciso ser construído e isso vai acontecer na relação com o Outro, que o introduz na fala, que não basta ser pronunciada, repetida, mas é preciso promover acesso ao desejo, é preciso ser sujeito para utilizar a fala desejante.

Quando a criança nasce, vem ocupar um lugar que já está marcado pelo desejo do Outro, e na relação dual com a mãe, ela vai estar totalmente envolvida e encantada por ser desejada pela mãe. As necessidades da criança vão sendo satisfeitas pela mãe, que vai respondendo aos sons do bebê que cada vez mais vão se aperfeiçoando. A criança também, num jogo de sons e gozo vai respondendo a demanda da mãe e, então, na satisfação da necessidade, o desejo é produzido “pela hiância que se abre entre a necessidade e a demanda” (Costa, 2010, p.64). E assim, “a passagem do biológico(real) para o simbólico é realizada pela intervenção do Outro, introduzindo a demanda na criança, que é a demanda do amor” ( Costa, 2010). A criança fica em uma dependência quase que total da demanda pelo amor da mãe. Ela se identifica com a mãe.

Lacan recuperou a importância da função do pai para a psicanálise, deslocando a relação simbiótica entre mãe e criança, afirmando que entre elas, surge o pai, e introduz o terceiro elemento, o falo. O pai exercerá a função da lei, essa função é essencialmente simbólica. Ele vai nomear, dar o seu nome. E se esta função é simbólica não significa que é necessário ter a presença do pai na família, mas o que vai importar é como o pai é dito, como a mãe nomeia sua autoridade. Será esta posição do Nome-do-Pai que será inscrita no inconsciente do sujeito e irá intervir no Complexo de Édipo, introduzindo assim a norma fálica para a criança. Será assim que os limites da relação mãe/filho irá ser imposta. Essa foi uma importante contribuição de Lacan para a compreensão da constituição do sujeito. Lacan não trabalhou diretamente com crianças, mas para ele o sintoma da criança é como uma resposta ao que já existe de sintomático na estrutura da família , ou seja, os sintomas da criança têm relação com a neurose de seus pais, nos diferentes lugares que ela ocupa no desejo do Outro, sua existência estará num lugar determinado pelos pais em suas fantasias e desejos. Segundo Costa (2010) Lacan não concordava com Anna Freud e Melanie Klein, pois, para ele, elas davam pouca ou nenhuma importância a dimensão simbólica do sujeito e reduziam a direção do tratamento a uma relação dual, imaginária. Em relação ao manejo da transferência, ele discordava de como Anna colocava o analista no lugar daquele que detém o saber, podendo assim decidir o que era melhor para o paciente, mantendo-o numa relação de dependência. Lacan também não concordava com Melanie Klein quando ela privilegia os aspectos imaginários da fantasia do inconsciente e posiciona o analista como parte dela, e assim ao final o sujeito se identificaria com a pessoa do analista. Ele perseguia a importância do simbólico no tratamento, e assim a destruição da ilusão da reciprocidade (Costa 2010).